Construir um Futuro para a Profissão 2000

Esse material foi produzido em 2000. Pretendia divulgar o movimento e chamar para convenção que se realizou durante a I Mostra Nacional de Práticas em Psicologia, São Paulo, outubro de 2000.

Futuro
O futuro que queremos construir

SE MUITO VALE O QUE
FOI FEITO
MAIS VALE O
QUE SERÁ

Milton Nascimento

Pensar o futuro, como projeto, é uma tarefa que exige a mistura, na medida certa, de realidade e de sonhos, de possibilidades e impossibilidades, de necessidades e urgências. Isto faz dela, uma tarefa difícil. Mas é preciso ousar na resposta a pergunta: que Psicologia queremos?

Queremos uma Psicologia a serviço da população brasileira: queremos romper com a tradição de uma profissão elitista, para construir uma Psicologia comprometida com as demandas de um país pobre e campeão de desigualdades sociais. Nossa ciência e nossa profissão podem contribuir muito para a construção de condições dignas de vida. É isto que precisamos ter como projeto. Nossa profissão ficou durante muitos anos reservada a pessoas que, com alto poder aquisitivo, podiam comprar nosso serviço. Não queremos ter uma profissão restrita a alguns. Sabemos da Importância de nosso trabalho e queremos que muitos possam ter acesso a ele.

Queremos uma psicologia que fale do homem e da vida vivida por ele. Precisamos superar visões que enclausuraram o psicológico no homem e o tomaram como algo íntimo, sem conexão ou relação direta com a realidade social. É preciso construir saberes que, ao falarem do homem e de seu mundo psicológico, falem do mundo social. Precisamos desenvolver visões mais abrangentes do fenômeno, para que possamos ampliar nossa Intervenção na sociedade, É preciso que tenhamos uma profissão capaz de responder às necessidades sociais, senão corremos o risco de não termos espaço e nem mesmo demanda social para ela.

Queremos uma Psicologia que seja capaz de reunir os psicólogos na busca pelas respostas para as necessidades da população brasileira, respeitando a diversidade teórica que nos caracteriza. Apresentar esta diversidade é uma qualidade de nossa ciência e de nossa profissão, mas exige que busquemos a unidade no esforço de responder às demandas da sociedade.

Queremos uma categoria de psicólogos organizada em torno de suas entidades, construindo coletivamente projetos. O futuro da Psicologia não deve ser tarefa para alguns iluminados; deve ser um trabalho coletivo, de muitos, e para isto é preciso que sejam construídos espaços que tornem possível o debate e a construção coletiva. Por isto ê preciso que sejam fortalecidas as várias entidades que já possuímos.

Queremos uma Psicologia que, tomando o passado como sua referência, se insira na sociedade e, de modo comprometido, supere o passado e inaugure o presente, construindo-o com multas mãos e idéias, guiada pela certeza de que devemos colocar sempre nossa profissão e nossa ciência a serviço da transformação de nossa sociedade.

Identidade
7 pontos básicos para uma definição da nossa identidade.

I O futuro da Psicologia brasileira nos diz respeito e nos interessa muito. Nos, psicólogos, professores e estudantes, devemos buscar intervir na sua construção, segundo um projeto que expresse democraticamente a nossa vontade, organizada institucionalmente, através das entidades, grupos e movimentos. O futuro da Psicologia não pode ficar à mercê dos interesses do comércio da educação, ou dos burocratas ministeriais e muito menos das posturas coorporativistas ou elitistas de certos grupos profissionais,

II A fragilidade institucional das nossas entidades precisa ser superada. Ela é incompatível com as dimensões e Importância social, assumidas pela Psicologia brasileira. As nossas entidades precisam ser multiplicadas, fortalecidas e apoiadas, O pressuposto do seu fortalecimento é a sua identidade com os interesses dos psicólogos e os da sociedade brasileira. O trabalho conjunto entre as entidades, o apoio recíproco, a ausência de competições em torno de objetivos comuns, deve ser uma regra operativa do trabalho interinstitucional. Construir lideranças significa romper com todo o personalismo e instaurar processos coletivos de trabalho e decisão.

III. A fragmentação da Psicologia não deve nos intimidar. Devemos, enquanto entidades, trabalhar com essa diversidade que nos constituí enquanto campo, sem preconceitos e de forma dialogante. Isso não significa abrir mão da busca do estabelecimento dos consensos mínimos sobre a nossa ciência e profissão, sempre através de mecanismos participativos e abertos, Não devemos recuar diante da necessidade do estabelecimento de regras ou normas de funcionamento profissional, tendo em mente que eles sempre refletem uma provlsorledade, mas balizam as nossas expectativas, e da comunidade. Assim, nada do que é Psicologia nos é estranho enquanto Interesse.

IV. Cuidar significa “tomar a seu cargo”. Cuidar é o oposto a negligência, a displicência, “Cuidar da profissão’, significa estabelecer uma relação de “encarregados” de todos os interesses profissionais, dos maiores aos menores. Isso significa trabalhar estrategicamente, desenvolvendo a percepção das necessidades e das prioridades profissionais. Cada ação institucional deve ser analisada por esse crivo antes de ser Implementada. A principal fonte de recursos para resolvermos os problemas da nossa profissão está dada, na riqueza e na pluralidade de pessoas e grupos que a constituem. Hoje a Psicologia brasileira já é detentora de uma competência no seu interior que pode e precisa ser mobilizada para o avanço coletivo da profissão. 0 papel de nossas entidades é catallzar esta potência e fazê-la reverte a favor dos interesses sociais maiores.

V. A gestão dos recursos institucionais é coisa sagrada, A honestidade, a transparência, a probidade e a parcimônia devem constituir-se em elementos políticos de primeira grandeza, nas nossas gestões. Os princípios da finalidade, da impessoalidade, da economia são balizadores no trato da coisa publica. A vigilância e o cuidado com o patrimônio institucional é responsabilidade política dos dirigentes e dos seus colaboradores.

VI. Democracia é democracia e não comporta adjetivos. Ela deve se expressar em todas as dimensões internas e externas, nas nossas gestões. E preciso garantir a ampla difusão das informações que são necessárias à participação no interior dá nossas entidades. É preciso garantir espaços de expressão e posicionamento, sobretudo para o pensamento que nos é critico e divergente. Os órgãos de nossas entidades não podem ser utilizados como tribunas particulares dos que estão nas suas direções. E preciso garantir o direito à participação nos temas de interesse geral através de assembléias, fóruns e congressos. Nós defenderemos sempre a democracia direta, àquela que implica a possibilidade da presença física dos sujeitos políticos, no debate público e a sua mobilização. Nós acreditamos que a organização coletiva sempre produz pensamentos mais adequados do que qualquer grupo de “iluminados”. É preciso romper com todos os resquícios do “patrimonialismo”, que significa gerir de acordo com os interesses dos grupos particulares, das personalidades ou dos “apadrinhados”. A isonomia de oportunidades para que todos os interesses se expressem, é o pressuposto básico para uma gestão democrática.

VII 0 futuro da Psicologia brasileira passa pela sua capacidade de se fazer útil à maioria da população brasileira. Não existe contradição entre “Cuidar da Profissão” e o desenvolvimento de uma luta em prol de uma sociedade justa e democrática, da luta em prol dos Direitos humanos, da construção de uma Psicologia que tenha compromisso social, Não existe contradição entre o desenvolvimentos técnicos científico da Psicologia e a prática eticamente responsável com os nossos problemas nacionais. As nossas identidades, no plano internacional, devem valorizar preferencialmente as aproximações com as produções criticam dos países latino-americanos, com os quais guardamos identidades na condição de paises periféricos, avassalados pelo neoliberalismo oportunista.

PS – Por uma questão de estilo : Queremos amadurecer geracionalmente como Psicólogos, nos orgulhando da profissão que escolhemos, valorizando a sua história .acumulando conhecimentos e experiências, mas conservando um sabor de juventude na nossa forma de ser e de agir. A alegria, o humor e a paixão devem ser sempre, os antídoto contra os formalismos, contra a sisudez, contra a política convertida em fardo e dor. E assim que acreditamos que seja o Cuidar da Profissão !

Política
Psicologia e Política

O que você prefere: Psicologia ou Política? Há quem diga que não faz política, só faz psicologia, Nessa caso, os demais são apontados como quem só faz política e não psicologia. É dito que os interessados em política engendram uma partldarizaçao da psicologia.
Nós fazemos psicologia e fazemos política. Nossa psicologia deixa claro a que políticas quer atender. Nossa política é produzir uma psicologia forte e capaz de atender as necessidades do povo brasileiro e latino-americano.

Na verdade, todos estamos fazendo política. Por exemplo, quando alguém propõe uma diretriz curricular que foge do que foi estabelecido por centenas de profissionais e entidades representativas, está fazendo política. Quando a diretriz proposta se aproxima dos postulados de FHC e do Banco Mundial, a perspectiva dessa política é mais evidente.

Nossa política é fazer política as claras, a luz do dia, de forma pública. Com critérios que possam ser explicados em voz alta e sem eufemismos.

Nossa política é fazer psicologia. Uma psicologia que tenha seus olhos voltados para toda a população brasileira. Se possível, que dê alguma ênfase às maiorias sempre esquecidas peio estado brasileiro.
Nossa política é fazer uma política que explicite os projetos que estão em jogo para o seu desenvolvimento. Chega de pensar a evolução da psicóloga como algo casual ou espontâneo. Vamos discutir esses projetos e construir um que dê conta de nossas contradições e de nossa criatividade.

Nossa política é apostar no novo, no que está porvir. A ditadura do pensamento único e do fim da história vai acabar. Os povos latino-americanos já começaram a derrubar os governos neoliberais. Nos países ricos os protestos contra a Organização Mundial do Comércio, Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial não param de ganhar manchetes.

Enfim nossa política é tomar partido. Tomar partido ao lado de tantos psicólogos que reinventam a psicologia no seu dia a dia, mas não têm espaço para divulgá-la e torná-la reconhecida. Tomar partido ao lado do povo brasileiro.
Nossa política é de convidar todos os psicólogos para conjugarem o verbo flor.

Verbo Flor
O verbo é conjugável em quase todas as pessoas
Em certos tempo definidos, a saber
Quase nunca no outono
No inverno quase não,
Quase sempre no verão
E de,ais na primavera,
Que no coração poderá durar
E ser eterna,
Se o coração conjugar:
Quando eu flor, quando tu flores
Você flor e ele flor
Quando nós,
Quando todo mundo flor.

Renato Rocha

Esta é uma publicação de responsabilidade do Movimento Nacional” Para cuidar da profissão”, pago com recursos próprios de seus membros, integrado por muitos Psicólogos, que hoje participam da direção do Conselho Federal de Psicologia e de vários conselhos regionais.
Os textos aqui apresentados expressam a contribuição do coletivo que hoje responde pela direção do Conselho Federal de Psicologia.
Arte: Sandra Cardoso Lopes Impressão e fotolito: Cromograf 47 3551393 Blumenau – SC tiragem: 5 mil exemplares.