Um Conselho para Cuidar da Profissão

Esse documento que segue foi já um segundo documento. O primeiro era idêntico a esse, mas assinado apenas por Ana Bock, Marcus Vinicius e Francisco Viana. Com a chapa 2 montada, reproduzimos o documento e ele circulou pela internet já indicando os nomes dos componentes da chapa. Sua data deve ser maio de 1996.

Por uma articulação pública, aberta e democrática para a discussão de uma Política Nacional para os Conselhos de Psicologia

1. Em agosto deste ano, com a realização do II CONGRESSO NACIONAL DA PSICOLOGIA, organizado pelos Conselhos Profissionais, mais um importante passo estará sendo dado para a implementação das transformações sociais, políticas e jurídicas dessas instituições, sobretudo do Conselho Federal, de maneira a melhor adequá-las às urgências profissionais que afligem aos mais de 90.000 psicólogos brasileiros.

2. Para uma melhor compreensão desse momento, é necessário que nos reportemos a uma caminhada democratizante que nos remete ao início dos anos 80, quando forças progressistas venceram uma disputa política que afastou da direção do Conselho Federal de Psicologia um segmento mais conservador, responsável, por exemplo, pela concessão do título de psicólogo honorário ao Presidente Médici. Desta maneira, no período subseqüente, não foi estranho encontrar essa entidade na Luta pelas Diretas e em outras campanhas vinculadas a redemocratização da sociedade brasileira e aos direitos humanos.

3. Do ponto de vista interno, o processo de democratização das relações entre Conselho Federal e Conselhos Regionais se expressou através da implementação de um Conselho Consultivo, como instância comum de formulação dos projetos de ação nacional da autarquia que, extrapolando os rígidos mecanismos jurídicos autárquicos, introduziram a livre discussão política como método de relacionamento da comunidade formada pelos conselheiros federais e regionais. Operando com base no consenso, o que era muito limitativo, o Conselho Consultivo seria substituído, a partir dos anos 90, por um Conselho Deliberativo, que mantinha a mesma finalidade, com maior poder decisório.

4. Do ponto de vista da categoria, esse processo democratizante refletiu-se na mudança da prática política da maioria dos Conselhos Regionais, que assumiram uma postura de diálogo com os colegas, abrindo espaços de debate sobre a profissão e discutindo o caráter fiscalizador da entidade; além disso, implementaram eleições diretas para o Conselho Federal, rompendo com a prática de sua indicação pelos plenários dos Regionais.

5. Do ponto de vista político, a grande conquista democratizante da autarquia se daria em 1989, quando pela primeira vez na sua história, realiza um evento nacional, organizado e promovido conjuntamente com as entidades sindicais da categoria (Fenapsi e Sindicatos/ Associações) e composto por delegados eleitos nas bases, concretizando uma nova forma de fazer política. Frágil e limitado na sua capacidade de aprofundar as discussões, a realização do CONGRESSO NACIONAL UNIFICADO representou para a autarquia a afirmação de uma possibilidade de participação direta dos psicólogos na formulação dos seus interesses maiores.

6. Em 1991, o CFP realizou um Encontro de Plenárias em Belo Horizonte. Este evento poderia ter representado um relativo retrocesso nesse processo de inclusão da categoria nas discussões da autarquia, se não fosse sua decisão final de realização de um PROCESSO CONSTITUINTE, o qual resultou no vitorioso I CONGRESSO NACIONAL DA PSICOLOGIA, realizado em 1994, em Campos do Jordão/SP.

7. Nós, que nesse momento assumimos a proposta de construção desta articulação, consideramos o I CONGRESSO NACIONAL DA PSICOLOGIA como um marco indiscutível de uma nova era institucional para essa autarquia e para o futuro de nossa profissão. Apesar dos evidentes limites, esse evento nos fez avançar na afirmação da democracia direta como método de enfrentamento das dificuldades da profissão, pois permitiu que nos debruçássemos sobre amplo material a respeito de nossa formação, nosso exercício profissional e nossa organização política, nos desafiando na busca de soluções para os problemas e exigindo um redesenho de nossa configuração institucional.

8. Fóruns específicos, como os que sucederam o I Congresso, poderão contribuir na formulação de posições sobre os problemas existentes, que serão homologadas na forma adequada pelas instâncias institucionais adequadas. A regularidade do fórum congressual, de caráter nacional a cada 3 anos, nos oferecerá um referencial para a organização de uma Agenda de Discussões que atualize as posições da categoria, unificadas nacionalmente, sobre vários aspectos críticos da profissão, definindo políticas nacionais que deverão balizar as nossas intervenções institucionais na conjuntura social brasileira.

O LUGAR DA FUTURA ELEIÇÃO NACIONAL NESSE PROCESSO
9. Ao lado dessa inovadora e progressista perspectiva, o I CONGRESSO NACIONAL DA PSICOLOGIA, ao alterar a composição política e a forma de eleição da direção do Conselho Federal de Psicologia, trouxe novas responsabilidades em termos da participação de todos os interessados na construção de uma Política Nacional para a Autarquia, a serem encampadas por uma CHAPA NACIONAL que, efetivamente contemple os interesses das forças políticas comprometidas com esse processo de transformação.

10. Para nós o sucesso do atual projeto de mudanças, que deverá ser aprofundado durante o II CONGRESSO NACIONAL, passa hoje pela construção de uma articulação pública, aberta e democrática, que precedendo a sua realização e superando as limitações geográficas hoje existentes, crie um espaço e uma oportunidade de participação para que as idéias sobre o futuro da entidade possam efetivamente ser conhecidas e debatidas, oferecendo visibilidade às eventuais divergências e enriquecendo o debate político. Tal é a nossa disposição ao dispararmos essa iniciativa, que a partir de agora encontra-se aberta para adesão dos interessados.

UM CONSELHO PARA CUIDAR DA PROFISSÃO EM UMA CONJUNTURA DE CRISE…
11. Como se não bastassem as dificuldades epistemológicas que fundam a Psicologia, a história de sua institucionalização como profissão no Brasil incluiu uma série de pressões sociais, cujos efeitos, hoje, questionam o seu próprio futuro enquanto atividade profissional, colocando em risco a sua própria existência.

12. Sem grandes enraizamentos na tradição cultural e intelectual brasileira, convertida em profissão a partir de 1962, a Psicologia viveu vertiginoso crescimento que nos prepara uma entrada no ano 2000 com um contingente de mais de 100.000 psicólogos, fortemente concentrados nos grandes centros urbanos e nas regiões do país mais desenvolvidas economicamente. Essa ausência de enraizamentos anteriores e o caráter vertiginoso de seu crescimento são elementos importantes para caracterizarem as dificuldades vividas pela profissão nesse momento.

13. Um primeiro efeito significativo dessa trajetória diz respeito aos limites da institucionalização acadêmica da Psicologia no Brasil e o seu impacto no processo de formação dos profissionais psicólogos. Com tal ordem de crescimento, torna-se inevitável perguntar pelos inexistentes processos de preparação docente e seus reflexos no caráter banalizador da transmissão de conhecimentos operado durante a formação das primeiras gerações profissionais, por sua vez formadora das próximas. Por outro lado, quando se considera que a expansão de ofertas de vagas em psicologia esteve associada ao movimento privatizante do ensino, em escolas empresas, em sua maioria sabidamente de má qualidade, pode-se ter o dimensionamento das dificuldades enfrentadas em termos da qualidade da mão de obra tornada disponível.

14. Do ponto de vista estritamente profissional, como sucessivas pesquisas tem evidenciado, essa multiplicação desordenada de psicólogos criou impasses em relação ao mercado de trabalho estabelecido, incapaz de absorver no seu crescimento vegetativo, todo esse contingente de profissionais. Abandono da profissão, predominância da dedicação parcial, subemprego, baixos salários, aviltamento das condições do exercício profissional são apenas algumas das conseqüências das pressões mercadológicas.

15. Fortemente identificada com uma prática de caráter clínico, o exercício profissional dos psicólogos assume uma perspectiva elitista e liberal, onde a saturação do mercado, definida pelo seu caráter limitado em termos de capacidade de financiar o consumo de serviços psicológicos, leva a uma exigência de diversificações e novidades em torno do mesmo tema, fazendo eclodir, entre nós profissionais, a adoção das chamadas “práticas alternativas”, como forma de encontrar um espaço diferenciado nesse mercado tão competitivo.

16. Por outro lado, ao se vincular aos signos da Individualidade e da Subjetividade, enquanto dois pilares centrais da construção da cultura da Modernidade, o espaço da Psicologia se vê tencionado também pelo assédio da Mídia e por toda uma gama de interesses que sabem que “o psicológico” é um poderoso instrumento de marketing.

17. Impactados por toda essa conjuntura, as organizações sociais constituídas pelos psicólogos(Sindicatos, Sociedades, Associações e principalmente os Conselhos)têm se revelado frágeis e atônitas frente à complexidade e variedade dos problemas a serem enfrentados, com uma pequena capacidade de tomar iniciativas e posicionamentos, como se o futuro pudesse, sem as intervenções da categoria, trazer as soluções.

18. Sobretudo os Conselhos de Psicologia, que têm o papel regulamentador da profissão, têm se mostrado tímidos frente a essa tarefa, deixando desnorteados os profissionais que a eles se dirigem em busca de referências. Sem dúvida alguma, o avanço do processo de organização, consubstanciado no I CONGRESSO NACIONAL DA PSICOLOGIA, representa uma grande possibilidade de superação desta inércia, na medida em que, através dos Congressos, a categoria emprestará autoridade para que essa entidade se movimente com mais legitimidade em seu nome.

19. Nesse contexto de perspectivas extremamente desfavoráveis para o nosso futuro, entendemos fazer sentido um chamamento às forças interessadas na construção de um projeto político, que assuma como sua prioridade fazer do Conselho Federal o espaço nacional de aglutinação de um projeto “para cuidar da profissão”. Entendemos ser preciso romper com posições hesitantes e enfrentar as incertezas que caracterizam nosso campo psicológico com uma postura corajosa, capaz de trazer definições e traçar limites, ainda que de forma provisória.

20. Assumir a perspectiva do “Conselho para cuidar da profissão” não significa em hipótese alguma ceder aos reclames corporativos que nesse contexto emergem como solução. Num contexto político nacional, em que forças reacionárias, organizadas no governo FCH, pregam a política neoliberal de desmontagem do Estado, “cuidar da profissão” significa exatamente o engajamento radical na luta pela expansão dos serviços públicos e na defesa dos direitos de cidadania. É preciso ter clareza que não existe hoje contradição entre os interesses profissionais da grande maioria dos psicólogos desempregados e sub-empregados e as lutas da população na exigência do direito à saúde, à educação, ao trabalho e à terra. Portanto, nosso Conselho Nacional precisa desenvolver uma ação competente que possa consolidar a liderança institucional junto à própria categoria, lutando sempre para viabilizar uma prestação de serviços éticos e de boa qualidade para a população.

21. Cuidar da profissão significa também, dessa maneira, fazer um investimento no desenvolvimento de uma competência institucional, através de uma adequada capacitação técnica e humana, que possa garantir, ao seu gerenciamento administrativo e político, eficiência e qualidade. Nesse contexto de problemas enfrentados pela profissão, a gestão do Conselho Nacional deve ser uma alavanca para a superação da desinformação e do amadorismo que às vezes marcam a gestão de nossas entidades. Buscar criar condições para a capacitação técnica dos gestores e dos seus colaboradores, tanto do ponto de vista administrativo, quanto político, passa assim a ser, mais do que uma meta burocrática, uma tarefa coletiva de todas as suas unidades institucionais.

22. Por outro lado, tal ordem de questões nos coloca necessariamente frente a uma reflexão acerca do papel e do relacionamento dessa instância nacional para com as instâncias regionais. Para nós o apoio à proposta de autonomização crescente dos Regionais, francamente majoritária no I CONGRESSO NACIONAL, não deve e não pode significar uma criação de obstáculos à construção da unidade de ação política da autarquia como um todo. A autonomia dos Regionais não pode significar a constituição de normas de exercício estritamente locais, que colocasse psicólogos de diferentes regiões submetidos a diferentes regimentos profissionais. Torna-se então necessário identificar a melhor forma de garantir uma unidade nacional das regulamentações profissionais. Por outro lado, entendemos que o processo de constituição de uma DIRECÇÃO POLÍTICA passa necessariamente pela construção comum de uma Agenda de Discussões capaz de traduzir prioridades e responsabilidades de cada um.

23. Tendo em vista, que nesse primeiro texto, pretendemos estar contribuindo para a abertura de discussões públicas sobre as futuras eleições do CNP, com vistas à construção de um processo político que não se resuma num processo privado de organização de chapas, consideramos convidados todos os interessados na seqüência desse processo. Neste momento, considerando as limitações geográficas, estamos documento pelo correio eletrônico (Internet), bem como de fazermos circular o material que nos seja enviado.

24. Imaginamos que o processo de preparação e organização dos Congressos Regionais deva se constituir em espaços privilegiados para a expansão deste debate, na direção de construirmos um projeto político mais unificado nacionalmente. Estamos prevendo para 12/13 de julho uma conferência nacional aberta desta articulação a ser realizada possivelmente em São Paulo, momento no qual a produção deste processo poderá ser sintetizada, oferecendo visibilidade aos consensos e dissensos, que caso sejam insuperáveis poderão, no nosso entender, dar origem a tantas chapas quantos forem os agrupamentos que ali se produzirem. Obviamente, ao dar início a este processo, temos expectativas de que, superando os limites pessoais e regionais,possamos construir abrangentes consensos, reunindo, em torno de um mesmo programa, todas aquelas forças que têm, há mais de uma década, buscado construir uma autarquia mais competente e mais democrática.

Chapa 2: UM CONSELHO PARA CUIDAR DA PROFISSÃO:

EFETIVOS:
presidente: Ana Mercês Bahia Bock -SP
vice-presidente: Francisco José Machado Viana -MG
secretário: Marcus Vinícius de Oliveira Silva -BA
tesoureiro: José Carlos Tourinho e Silva –SE
diretoria região Norte: Jorge Moraes Costa –PA
diretoria região Nordeste: Laeuza Lúcia da Silva Farias –AL
diretoria região centro-Oeste: Deusdet do Carmo Martins –GO
diretoria região Sudeste: Ernesto J. Santos –RJ
diretoria região Sul: Álvaro Luiz de Aguiar –SC

SUPLENTES:
Marcos Ribeiro Ferreira -SC
Marta Elizabeth de Souza -MG
Odair Furtado -SP
Rosa Maria Benedetti Albanezi -DF
Candida do Socorro Conte de Almeida -PA
Francisco Eduardo da Costa -CE
Maria de Lourdes J.Contini -MS
Jorge Broide -SP
Julieta Arsenio –PR