A Assistência Social, na perspectiva do Sistema Único de Assistência Social – Suas, vem se constituindo solidamente, sem sombra de dúvidas, em umas das áreas em maior expansão para a inserção da psicologia. Com a criação dos Cras (Centros de Referência de Assistência Social) e dos Creas (Centros de Referência Especializados de Assistência Social), carros-chefe da Política Nacional de Assistência Social1, além de outros serviços de proteção social básica e especial, tanto são abertas novas oportunidades quanto se reconhece efetivamente a contribuição de diversas práticas de psicologia nessa área.
O reconhecimento é tal, que o Suas já prevê em sua Norma Operacional Básica de Recursos Humanos – NOB-RH/Suas2 a presença de psicolog@s em suas equipes de referência. Muitos são os profissionais atuantes na área: aproximadamente 8 mil, segundo dados do censo de 2008 do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.
Política inovadora para a assistência social, que tem como um de seus principais desafios romper a hegemonia de práticas e concepções que investem segmentos da população brasileira de uma bruma de invisibilidade, marcada pelo silenciamento de direitos e desejos. Práticas e concepções assistencialistas, clientelistas, de caridade e filantropia. Práticas e concepções que, em última instância, prestam-se à dominação e manutenção de desigualdades, discriminações e estereótipos sociais, políticos, culturais, raciais, etários, de gênero… Falamos de forças que, paradoxalmente, desconsideram parte significativa da população e a consideram apenas em sua suposta periculosidade, virtual, que deve ser prevenida a qualquer custo.
Parece rondar uma idéia de que os usuários da Assistência Social, marcadamente em situação de insegurança de renda, quer dizer, pessoas pobres, devem ser afastados dos “ambientes viciosos” nos quais vivem, sendo alvo de ações que neutralizem os efeitos nefastos desses ambientes. Aí, o caráter de garantia de um direito social do atendimento socioassistencial deixa de ser o principal, escamoteando práticas de controle, de fundamentos racistas, higienistas e eugenistas e que buscam a manutenção e a ampliação da utilidade, produtividade e da docilidade de corpos e da população.
Mas, de forma alguma, essas não são as únicas forças presentes. Várias são as forças que buscam romper com isso, acionando novas concepções e práticas e, assim, a garantia de direitos e a expansão da vida. A nova política passa a investir nessas práticas a garantia dos direitos como um paradigma, indo contra práticas de favor, benevolência ou caridade. Uma política que busca romper com o hegemônico para se instaurar como uma política de proteção social que busca garantir a todos que dela necessitam a provisão dessa proteção. Um contrato coletivo para proteger indivíduos contra os riscos inerentes à vida ou para assistir necessidades geradas em diferentes momentos históricos. Para isso, passará a entender que a população tem necessidades e não só; a população tem possibilidades e capacidades, que deverão ser desenvolvidas. Apostam-se, então, em potências, com vista ao desenvolvimento da autonomia da população atendida.
Falamos, então, de uma luta. Luta também para nós psicólog@s. Luta na qual precisaremos ter clareza de quem são nossos adversários, lembrando que estes são práticas e concepções assujeitadoras, que tendem à dominação, que produzem sujeitos-coisa, que privatizam e naturalizam sofrimentos, que silenciam direitos e desejos.
Desta maneira, vimos que os psicólogos têm dois desafios. O primeiro está relacionado à Psicologia enquanto ciência e profissão, que deve ser enfrentado a partir da criação de uma Psicologia forte, que seja capaz de se posicionar institucionalmente política e tecnicamente a favor da transformação social, da defesa e divulgação dos direitos humanos e sociais, da emancipação do sujeito, e da busca pela sua autonomia. Acreditamos que os Conselhos estão cumprindo este papel, Faz parte desta função garantir a presença dos psicólogos nestes espaços, através da participação deste órgão nas discussões e deliberações políticas na construção do SUAS. Outro desafio diz respeito à qualificação e preparação do psicólogo para este trabalho, tão novo e importante na nossa área. Precisamos nos preocupar com a formação deste psicólogo, que deve passar por questões que levem em conta uma formação técnica e também política, para que ele possa construir competências e habilidades para atuar nas diversas situações que a área social nos apresenta. Entendemos que os conselhos também podem contribuir com essa formação, e têm contribuído, com a promoção de eventos formativos para a categoria, e também com a produção de materiais formativos e informativos sobre as políticas públicas, neste caso, as políticas de Assistência Social. A criação do CREPOP pode ser vista como uma importante ação dos conselhos neste sentido.
Para tanto, como psicólog@s, entendemos a necessidade de, por exemplo, intensificar a implementação dos serviços da assistência social, com quadro de trabalhadores qualificados e em quantidade suficiente e com condições de trabalho adequadas; ampliar e melhorar a participação democrática de usuários e trabalhadores na gestão dos serviços e da política e nos órgãos de controle social, como conselhos de assistência social; e promover e incrementar as ações intersetoriais de assistência social com as áreas de saúde, previdência, educação, trabalho, habitação, defesa civil, cultura, lazer, esporte, segurança pública e outras afins.
Devemos ter clareza, assim, de quais forças queremos agenciar nesta luta, sempre nos perguntando se elas estão paralisando ou tornando mais potentes as vidas daqueles que atendemos. Luta que trata de uma questão ética e política, não uma questão meramente técnica ou teórica.
Bibliografia Consultada
COIMBRA, C.M.B. Classes perigosas: uma pequena genealogia. In: Ferreira, G. & Fonseca, P.Conversando em casa. Rio de Janeiro: Sete Letras, 2000, pp. 56-65.
FOUCAULT, M. (2005) “Aula de 17 de março de 1976”. In: _______. Em defesa da sociedade. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, p. 285-315.
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política Nacional de Assistência Social. 2005.
Notas:
1Conselho Nacional de Assistencia Social – CNAS. Política Nacional de Assistência Social – PNAS. Aprovada pela Resolução nº 145, de 15 de outubro de 2004, e publicada no Diário Oficial da União – DOU em 28 de outubro de 2004.
2Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS. Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Suas. – NOB-RH-Suas. Aprovada pela Resolução nº 269, de 13 de dezembro de 2006, e publicada no Diário Oficial da União – DOU em 26 de dezembro de 2006.
Humberto Verona
Chapa 21 Pra Cuidar da Profissão