Carta Aberta do Movimento Pra Cuidar da Profissão

Prezadas(os/es) Psicólogas(os/ues), 

É com grande pesar que pudemos ver circular em grupos Whatsapp, cartas de desligamento e/ou ruptura com o Movimento Cuidar da Profissão, vindo de um grupo de pessoas fundadoras de nossa organização política. Lamentamos que a ruptura tenha sido a única alternativa que este grupo dissidente tenha encontrado para lidar com a atual conjuntura. Diante disso, formulamos esta carta aberta como uma forma de apresentarmos uma breve análise e avaliação da situação, bem como uma orientação às bases do movimento e a nossa resposta coletiva frente às referidas cartas de desligamento, que citavam nossa organização com críticas importantes. 

Ainda que sejam democraticamente legítimas quaisquer novas formas de organização coletiva em prol da democracia, da igualdade social e pela construção da Psicologia brasileira, é preciso apontar que o método e a forma na qual o anúncio sobre a criação do “Movimento Psicologia por Democracia e Igualdade Social” se deram, transbordaram e/ou extrapolaram a função de comunicar o nascimento de uma nova ferramenta de organização política para a Psicologia brasileira, fazendo com que o anúncio circulado em carta para a categoria, também desempenhasse a função de onerar dúvidas e desconfianças entre a categoria em (sua) relação com/ao Movimento pra Cuidar da Profissão. Não que a desconfiança alheia frente a nossa organização política tenha nascido ontem, mas levantar esses tipos de questionamentos publicamente, sem maiores detalhes, dificulta com que essa desconfiança seja ao menos um pouco menor amanhã e induz uma categoria profissional ao erro.

Questionamos os motivos desta ruptura de forma isolada, sem haver diálogo nas instâncias da Coordenação ou Colegiado Nacional, para que o método de condução nacional do Movimento Pra Cuidar da Profissão pudesse ser pautado ou questionado de forma mais ampla, direta e transparente. Ainda que pese a informação, na segunda carta, de que houve um convite de alguns dos dissidentes, para estabelecer diálogos, não encontramos tais convites nos grupos de WhatsApp do movimento (Cuidar 2024 e Colegiado), nem em e-mails ou outras redes. Também questionamos o porquê de se considerar agora, em maio de 2024, após conjunturas nacionais e estaduais que demandaram intensas articulações entre as lideranças da Psicologia brasileira, o seguinte argumento presente na primeira carta: “Compreendemos, também, que o Cuidar tenha perdido seu ímpeto criativo e, mais recentemente, até sua radicalidade democrática. Há seis anos, vários de nós buscaram resgatar princípios e procedimentos, mas os problemas se mostraram incorrigíveis.”

Se os problemas se mostraram incorrigíveis, por que não houve contestação – em nenhuma das partes que romperam conosco – durante a VI Convenção Nacional do Movimento Pra Cuidar da Profissão, no âmbito das tarefas assumidas, frente à seguinte questão?

“Poderíamos nos perguntar, já que estamos entre nós: não seria o caso de encerrarmos o Cuidar da Profissão? Se avaliarmos que temos forças e espaços para que estas iniciativas sejam gestadas/incubadas, aí poderemos ir para casa. Mas a pouca criatividade e produtividade de nossas entidades têm demonstrado que ainda é preciso termos movimentos que se organizam para atuar nelas, levando ousadia, criatividade e leitura da realidade bastante cuidadosa e acurada. Estaremos em convenção para buscar essa potência, pois é ela que contribuirá para continuarmos um caminho de avanço na Psicologia brasileira, deixando de marcar passo. Nossas entidades ainda precisam de nós. De nós e de todos aqueles que se organizarem para debater, para avançar em um projeto progressista para a Psicologia brasileira.” (trecho do relatório síntese da VI Convenção Nacional do Movimento pra Cuidar da Profissão, 2023)

Em nosso entendimento, as preocupações expressas na primeira carta de ruptura circulada, foram tratadas durante a VI Convenção Nacional e naquele espaço, não houve proposta por parte deste coletivo fundador, que agora rompe conosco, de dissolvermos o Movimento pra Cuidar da Profissão ou mesmo de se criar outra coisa. Em comum acordo, havíamos chegado no consenso de que era preciso atualizar, reparar, reconstruir, reconduzir, reconciliar, Cuidar de um movimento que por décadas cumpriu com a função de ser uma ferramenta de luta da Psicologia brasileira e que estava fragilizado, que havia passado por conflitos e contradições recentes, que algo ainda podia ser feito para que essa ferramenta política trabalhe por uma psicologia à altura de seu tempo, respeitando e compreendendo as interseccionalidades que atravessam as condições materiais que produzem as subjetividades contemporâneas.

A forma em que a ruptura se deu, não apenas contraria o debate ocorrido na Convenção, mas também o encaminhamento do próprio plano organizativo para o Cuidar, construído durante a VI Convenção, que diz que:

“Superar as divergências no espaço democrático se dá por meio de argumentação e convencimento, impedindo o risco de utilização de métodos de anulação e deslegitimação de companheiras/os que estejam em divergência nos enfrentamentos técnicos e políticos, tanto no âmbito do movimento quanto das organizações em que atua.” (trecho do relatório síntese da VI Convenção Nacional do Movimento pra Cuidar da Profissão, 2023) 

Porque agora privilegiar a ruptura em detrimento do debate e construção coletiva, como estava previsto no Relatório Síntese da VI Convenção enquanto plano de trabalho para renovação do movimento? Além disso, nos questionamos se houve até então alguma nova leitura feita do atual cenário político da Psicologia que fez com que o referido grupo dissidente mudasse de opinião nesse curto período de tempo? Será mesmo que fomos nós que perdemos o ímpeto criativo e a radicalidade democrática? Nos parece, na verdade, muito oportuno esta tomada de decisão em momento de grandes fragilidades da experiência que consolidou a Frente em Defesa da Psicologia e que coincide justamente com o período pré-eleitoral do Sistema Conselhos de Psicologia. Com isso, um rompimento dessa forma e nesse período beira a possibilidade de instrumentalismo político. Não deveríamos nos responsabilizar pelas decisões do passado, sejam elas assertivas ou não? Ou a única saída é mesmo lavar as mãos?

Contrariando ao exposto na carta de ruptura, é importante dizer que, nesses quase 30 anos de existência o Cuidar da Profissão vem se esforçando muito para se constituir enquanto um movimento político que disputa os rumos da Psicologia Brasileira em caráter aberto, popular, permanente e guiado por princípios. Com altos e baixos, conseguimos garantir que o nosso movimento tivesse seu funcionamento centralizado pelas suas próprias instâncias. Por outro lado, reconhecemos que parte das críticas apontadas sobre as fragilidades do movimento são coerentes, entretanto, ressaltamos que a forma em que tais críticas foram expostas, dá a entender que parte das pessoas que agora rompem com o Cuidar, não faziam parte da direção do movimento até ontem (até a última convenção) e portanto, também tem responsabilidade frente a atual conjuntura, faltando assim, com a noção de corresponsabilidade. Da mesma forma, quando a atual Coordenação Nacional assumiu, não houve um processo de transição das tarefas administrativas de comunicação e finanças antes desempenhadas por outras pessoas e hoje assistimos as nossas ferramenta de comunicação, como os grupos Whatsapp e sítio virtual, serem utilizados para convidar Cuidares a participar do novo movimento, em uma nítida tentativa de cooptação.

Um movimento político não é propriedade exclusiva de algumas poucas pessoas, mas sim patrimônio de todas/os aquelas/es que participam e o constroem cotidianamente. O movimento Cuidar da Profissão é patrimônio da Psicologia brasileira. E nós seguiremos com ele, por acreditar que a categoria e a sociedade precisam da nossa contribuição e também por entender que foi esta a decisão tomada pelo conjunto das/os Cuidares em nossa última Convenção. E fazemos esta decisão em respeito a nossa história e ao potencial transformador que o projeto do Compromisso Social da Psicologia tem para a sociedade brasileira, que vai para muito além das disputas eleitorais que se avizinham.

Com essa situação aprendemos que, precisamos concentrar esforços em reinventar o nosso método e ressignificar o Cuidar. Estaremos ao lado daquelas (es) que não se conformam apenas em ter feito parte de um movimento político com um grande passado pela frente e redobram a aposta nos princípios basilares do Cuidar como necessários para a Psicologia intervir na atual realidade brasileira. Somos a primeira organização de profissionais da Psicologia que pautou o alinhamento da Psicologia brasileira e do Sistema Conselhos às lutas sociais. Ressaltamos ainda, que as cartas expostas, não inauguram nenhum outro compromisso que não os já elencados para o Movimento Cuidar na VI Convenção Nacional.

Contudo respeitamos e agradecemos a extensa contribuição das/os companheiras(es/os) que fizeram a opção de desligar-se do nosso movimento político, desejamos uma boa caminhada nos novos rumos que resolveram trilhar e que contribuam de fato para a construção de uma sociedade Democrática, com direito ao contraditório, ao pluralismo, equânime e,  por conseguinte justa, pautada no diálogo, na honestidade intelectual, no compromisso ético-político das profissões e no combate à toda forma de opressão. Nós seguiremos Cuidar. Seguiremos Cuidando. 

“Quem elegeu a busca, não pode recusar a travessia.”
Guimarães Rosa

Coordenação Nacional do movimento Cuidar da Profissão

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