Cuidar da profissão – construindo referências para o protagonismo social dos psicólogos – 2003

Esse material que segue compôs um folder que distribuímos em maio de 2003. É, portanto, o último material publicado pelo “Cuidar”. Foi distribuído durante o Congresso Norte Nordeste, Paraíba e chamava a todos para a convenção que se realizou no dia 28 de maio de 2003.

Editorial

Fazer uma análise de conjuntu­ra política nestes tempos é uma verdadeira temeridade. Os parâ­metros de uma análise deste tipo estão fora da ordem. A doutrina Bush de relações internacionais está pautada pelo 11 de setembro. Em busca da segurança interna os americanos colocam todo o plane­ta sob suspeita. Quem não está com eles, está contra eles. Um clima paranóico que leva o gendarme do mundo a ações mili­tares, destruindo qualquer possi­bilidade de acordo internacional e inviabilizando a própria ONU como fórum da diplomacia mundial.

Primeiro foi o Afeganistão, depois o Iraque, agora é Arábia Saudita e já vislumbramos a pres­são sobre Cuba, Irã e Coréia do Norte. Todos incluídos, sintomati­camente, no que é denominado “Eixo do Mal”. A doutrina Bush é fundamentalista! A polarização da guerra fria e a ameaça atômica da segunda metade do século XX foi tomada pela ação terrorista de grupos islâmicos. O temor de uma guerra total dá lugar ao terror de que a estação do metrô possa ex­plodir a qualquer momento. A fal­ta de um imaginário utópico que possa sustentar um campo sim­bólico, permitindo a organização das lutas de transformação social, abre o caminho para a barbárie.

Na América do Sul, tradicional quintal americano, o movimento popular dá mostra de amadureci­mento e consolidação da demo­cracia, coisa rara nesta região. A vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, representa uma grande novidade no cenário internacional e pela primeira vez em nossa história temos um governo brasileiro de cunho democrático e popular.

Rigorosamente, é a primeira vez que a esquerda chega ao poder em nosso país. Trata-se de um movimento que contradiz os caminhos da doutrina Bush e ocorre em um momento que a estratégia capitalista para o período, o consenso de Washington, mostra sinais de debilidade. O acordo neoliberal não foi sufi­ciente para garantir estabilidade econômica para os agora chama­dos países de economia emer­gente.

O povo brasileiro aposta em uma saída à esquerda e como nada é simples assim, até agora o go­verno Lula tem aplicado o mesmo remédio do corte orçamentário, dos juros altos, do pagamento da dívida, do superávit da balança, da inflação baixa, da atração do capital volátil, etc. Busca garantia de governabilidade, construindo maioria no parlamento com méto­dos semelhantes aos do governo FHC. Vivemos atônitos uma ducha de “real politik” que nos impõem o famoso dístico de que os fins são mais importantes que os meios.

Mas é importante notar que esse movimento é compreendido por amplos setores da população como cautela de quem agora sabe tratar com maturidade a condução do país e que irá, gota a gota, reverter a situação social drástica e perversa que vivemos. Os projetos sociais estão sendo delineados e o “Fome Zero” se transforma em um organizador popular. Os dis­positivos que servirão para a cons­trução de uma aliança concreta com possibilidade de reverter a condição de pobreza de 25 mi­lhões de pessoas que vivem abaixo da linha da miséria, não se restringem à distribuição de ali­mentos, mas sim à construção de uma rede social de economia solidária.

Sabemos que as mudanças não serão repentinas e nem mesmo rápidas. O governo Lula deverá fazer a transição de um país neoliberal que abandonou as políticas sociais, optou por privatizar os serviços de educação e saúde, não investiu na reforma agrária, fiscal e da previdência, não ousou tocar no setor judiciário, nas penitenciárias e nos hospitais psiquiátricos; que des­cuidou da pesquisa e da produção de tecnologia, enfim um país que se manteve campeão de desigual­dades sociais para um novo Brasil.

São muitas as frentes de inter­venção; são grandes as mudanças necessárias; são poucos os recur­sos e é grande a expectativa da população. Sem desanimar, espe­ramos.
O Movimento Cuidar da Profissão acredita que não deva­mos esperar de braços cruzados. É hora da Psicologia se colocar no cenário nacional de modo mais ousado! O Brasil optou pela mudança e os psicólogos devem colaborar!

Nossos últimos 6 anos

Surgimos da vontade de dar um salto e aproveitamos o espaço dos Conselhos para produzir o diálogo da diversidade da Psicologia. Para con­quistarmos um lugar social para a Psicologia que significasse romper com a tradição de compromisso com as elites brasileiras.

Ocupamos a maior parte dos CRPs e o CFP, trabalhando ininterrupta­mente para alcançar essas metas. Destacamos as formas que o nosso trabalho assumiu:

Resoluções que demarcam a profissão: qualificar o exercício profissional do psicólogo exige esforços de várias naturezas. Qualificar a formação é uma delas; outra é produzir, de forma democrática, referências para o exercício profissional. O Cuidar da Profissão tem tido esta iniciativa por meio dos Conselhos de Psicologia. Foram várias as resoluções: docu­mentos decorrentes de avaliações psicológicas, dos testes psicológicos, dos serviços por internet, da pesquisa com seres humanos, da acupuntura e da hipnose, das práti­cas alternativas, enfim são várias as resoluções que oferecem à categoria dos psicólogos algumas referências nascidas das dificuldades em um exercício profissional qualificado.

Resoluções que defendem os direitos humanos: Duas resoluções serão históricas na Psicologia: a do racismo e da orientação sexual. São resoluções que proíbem os psicólogos de se acumpliciarem com práticas preconceituosas e estigmatizadoras.

Direitos Humanos: temos traba­lhado vinculando a Psicologia à defe­sa dos direitos humanos. Por meio de campanhas, da realização de even­tos, da construção de Comissões de Direitos Humanos em cada Regional e no CFP, da parceria com outras enti­dades e comissões de direitos humanos, na participação em even­tos e movimentos sociais que se põem em defesa dos direitos humanos. Os Conselhos têm se insti­tuído socialmente como órgãos importantes na defesa dos Direitos Humanos.

I Mostra de Práticas em Psicologia: Psicologia e Compromisso Social: talvez a atividade mais emblemática nascida no seio do Cuidar da Profissão. Envolveu todos os Conselhos Regionais e várias enti­dades nacionais brasileiras e da América Latina. Reuniu 15 mil pes­soas em São Paulo e mostrou cerca de 3000 trabalhos que demonstraram o novo compromisso social da Psicologia, vinculada a interesses da maioria da população.

Fórum de Entidades Nacionais da Psicologia Brasileira: outra inicia­tiva importante do Cuidar da Profissão para a Psicologia: reunir as entidades nacionais da Psicologia (hoje são 16 entidades) em um espaço de debate e esforço coletivo para resolver as dificuldades da Psicologia, contribuindo para o seu desenvolvimento na direção de uma profissão e uma ciência com compro­misso social. O Fórum desenvolveu atividades necessárias, tais como:

• Construção da ABEP (Associação Brasileira de Ensino de Psicologia): como o espaço de articulação dos esforços para qualificar a formação;
• Biblioteca Virtual da Psicologia: poucas profissões na América Latina têm uma Biblioteca Virtual. A Psicologia possui uma administrada pelo Fórum de Entidades que faz cir­cular de forma democrática as pro­duções científicas e profissionais no âmbito da Psicologia.
• I Congresso Brasileiro Psicologia Ciência e Profissão: reuniu 8 mil profissionais, professores e estu­dantes de Psicologia na USP, na cidade de São Paulo, no ano passado. Este evento marcou o diálogo entre a ciência e a profissão; diálogo este que se fazia timidamente, em poucos espaços. O trabalho foi disparado, agora resta desenvolvê-lo.
• Campanha Psicologia em Alerta: iniciativa do Fórum de publicar folhetos que caracterizaram alguns problemas enfrentados pela Psicologia e anunciavam a disposição do Fórum em enfrentá-los, convo­cando a todos para esta tarefa.
• Diretrizes Curriculares: o Fórum enfrentou de forma democrática o debate das diretrizes curriculares para a Psicologia e se opôs a toda ini­ciativa que não refletisse a vontade coletiva e os princípios de uma for­mação que unisse profissão e ciência.

Criou projetos de resgate da memória da psicologia: o Cuidar da Profissão cuidou da memória da Psicologia. Fez produzir vídeos com os personagens da história da Psicologia; publicou livros sobre os pioneiros da Psicologia assim como Livros esgotados que são considera­dos históricos.

Sistematizou e fez circular Psicologia: a iniciativa dos INDEX Psi que resultaram na Biblioteca Virtual da Psicologia, possibilitando acesso democrático ás produções da Psicologia.

Instalou um método de trabalho na Psicologia: transparência na política, rigor na gestão financeira e relação parceira com as diferenças, fazendo caminhar a Psicologia com todas as suas diferenças e toda sua diversidade.

Colaborou decisivamente para a construção da ULAPSI: uma política de unificação da psicologia Latino-americana que colabore com formas de reverter o caminho de mão única entre a produção européia e ameri­cana e nos coloque na condição de produtores de conhecimento, for­talecendo nossas entidades e ao mesmo tempo garantindo inde­pendência científica.

Tudo isto porque somos muitos. Tudo isto nos tornou muitos.

E o futuro?

Questões que se colocam para o próximo período, considerando que há eleições em várias entidades nos anos que se seguem:

• Ampliar a inserção social da Psicologia: mostrando para a sociedade brasileira a Psicologia que se sabe fazer;
• Negociar com o Estado as demarcações da profissão: em 1962, para aprovarmos a regula­mentação da profissão, foi feita esta negociação. Depois disto não voltamos a fazer estas intervenções. Torna-se necessário voltar a estas práticas;
• Tornar as entidades mais conhecidas: como órgão de defesa da sociedade e da qualifi­cação dos serviços de Psicologia e do seu saber;
• Qualificar o controle financeiro nas entidades: desenvolvendo instrumentos e concepções que permitam esta tarefa;
• Oferecer referências: tornando qualificado o exercício profissional do psicólogo.

E o que mais?

Venha debater para que possamos desenvolver o programa do CUIDAR DA PROFISSÃO para os próximos anos!
Venha ajudar a construir a pauta da Psicologia brasileira para o próximo período!!!

Movimento Cuidar da Profissão
Convenção Nacional
Dia: 28 de maio
Horário: às 19h30
Local: Hotel Hardman, Av. João Maurício, 1341
João Pessoa, Paraíba

Expediente
Movimento Cuidar da Profissão Jornalista Responsável: Elen Marques cuidardaprofissao@yahoogrupos.com.br MG 05034 JP
Projeto Gráfico: Míriam Barreto
Produção deste informativo: Impressão: Gráfica Lê
Fato Comunicação Tiragem: 2.500 exemplares
Fotolito: Image